“Acho que vamos ser campeões. Principalmente por um motivo: a união do pessoal. No vestiário, era um desejando sorte ao outro, todos conversando juntos, um ambiente espetacular. Isso reflete dentro de campo. Viram na hora do gol como o pessoal comemorava, cumprimentava?”
Do lado de lá da fronteira entre o presente e o passado, Washington – não o Coração Valente – sentia que o sucesso do grupo que se formava nas Laranjeiras era questão de tempo. O Campeonato Brasileiro de 1984 e o tricampeonato estadual de 1983 a 1985 deram ao companheiro de Assis a confirmação do que suas convicções transcendiam à sua percepção. Como o Profeta Nelson Rodrigues do lado de lá de uma outra fronteira – esta num nível mais amplo e elevado –, Washington já sabia havia seis mil anos dos tempos triunfantes e auspiciosos que consagrariam uma geração.
Justificável polarização entre equipes tão iguais e tão diferentes.
Pois é num momento como este em que o Fluminense está a quatro jogos de conquistar mais um Campeonato Brasileiro que a sensibilidade do torcedor aflora, fazendo com que ele se apegue a qualquer estatística ou coincidência favorável para ver a concretização de um sonho. Vale tudo pelo tri!
Fico ainda com uma outra, ocorrida na madrugada do clássico entre Fluminense e Vasco, que manteve o Tricolor na liderança isolada. Entre os cinco ou seis livros que se amontoam em minha cabeceira – leio-os ao mesmo tempo, em dias alternados –, saquei um de Nelson Rodrigues com uma coletânea histórica de suas crônicas sensacionais. Com o sono já me dominando, fui direto à última, escrita não por Nelson, mas por seu filho Nelsinho.
Já caminhando para a morte, Nelson está proibido pelos médicos de ouvir a decisão do Campeonato Estadual de 1980 entre Fluminense x Vasco, como conta Nelson Rodrigues Filho. Sob efeito de remédios, está deitado em seu quarto, com certa confusão mental, onde é informado superficialmente sobre o andamento da partida.
O final, comovente, mostra o esforço de Nelson, extasiado com o título, querendo, mesmo enfraquecido, sentar-se à máquina de escrever, sua companheira eterna. “Uma luz incontrolável o arremetia para a crônica”, escreveu Filho.
Que acabou redigindo-a por seu velho, ditando-a com muita dificuldade, pelo estágio avançado da doença.
Era dezembro de 1980. Nelson faria sua passagem dias depois. A crônica sobre a vitória de 1 a 0 sobre o Vasco tornar-se-ia sua última – ao menos deste plano.
E com ela na cabeça adormeci, imaginando o quão significativa e oportuna fora neste momento igualmente decisivo. Cri que uma nova vitória sobre o Vasco com o mesmo placar se repetiria na noite de domingo.
Vaticínio? Premonição? Ou coincidência simplesmente?
O que importa!
O Flu, como Nelson, bate a porta dos céus e está cada vez mais perto da conquista histórica, que deixará o clube e seus milhões de torcedores tão extasiados quanto o mais ilustre entre todos os tricolores.
Que já coça os dedos diante da máquina surrada.
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Mas que calcemos as sandálias da humildade, como pede para lembrar Gravatinha. Com 61 pontos, o Fluminense está a apenas um de Corinthians e Cruzeiro, que seguem no seu encalço. Faltando quatro rodadas para o fim, o Flu segue dependendo unicamente de seus esforços para ser campeão. Uma vitória sobre o Goiás, no próximo domingo (sem Gum, suspenso), aumenta consideravelmente as chances de título, já que Corinthians e Cruzeiro se enfrentam, ficando o derrotado quatro pontos atrás do líder, praticamente alijado da briga. O empate deixaria a dupla a três do Flu.
Muita calma nessa hora!
Calma, aliás, foi o que sobrou ao Fluminense no Engenhão, que entrou em campo pressionado depois das vitórias de Corinthians e Cruzeiro sobre São Paulo e Vitória, ambas fora de casa. Empate ou derrota tricolor tiraria o Flu da liderança em momento delicadíssimo da competição.
Pois foram precisos apenas três minutos para que o Tricolor abrisse o placar, com Tartá, vantagem que deixou o Flu com os nervos no lugar durante boa parte do primeiro tempo.
Verdade seja dita, a ansiedade só começou a bater à medida que a partida ia se encaminhando para o fim, quando um único descuido poderia ser fatal. Sobretudo porque Washington, apesar da participação no lance capital, mais uma vez perdeu dois daqueles gols inacreditáveis em que uma simples escorada seria suficiente para colocar a bola no fundo da rede (Marquinho, aos 21, também teve a bola do jogo e se atrapalhou à frente de Fernando Prass).
Mas, felizmente, prima pela disciplina tática este time de Muricy.
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Que tem também na superação sua marca registrada. Incrível como o Flu parece se agigantar ainda mais diante das adversidades. O companheirismo, a entrega e a dedicação dos jogadores na disputa de cada bola mostram que a declaração do velho Washington, na introdução da coluna, poderia, sem favor, referir-se ao atual elenco tricolor, que só venceu porque assim desejou.
Sim, o Fluminense desejou a vitória e por isso ganhou. Porque foi construída muito mais na garra e no espírito de luta dos jogadores do que propriamente na técnica. A marcação ferrenha de Valencia e Fernando Bob, dos zagueiros Gum e Leandro Euzébio e dos laterais Mariano e Carlinhos revelaram um time abraçado à causa, comprometido até o fim com Muricy. O Flu comeu grama e suou sangue – como na cabeça aberta de Euzébio (foto) numa dividida com Nunes (lembrou Gum na semifinal da Sul-Americana, contra o Cerro Porteño) ou no braço quebrado de Marquinho, a nota triste da noite.
Deixou a ótima impressão de estar disposto a dar a vida pelo tri.
Como fazem os guerreiros.
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Antes do jogo, a canção “Rádio Pirata”, do tricolor Paulo Ricardo (ex-RPM), embalou a entrada do time em campo.
Ótima pedida!
Porque no campo os tricolores fizeram mesmo a revolução.
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Que arrancada deu Tartá no lance do gol único do clássico, o primeiro entre os clubes disputado no Engenhão. O carrinho no rebote do chute de Washington foi um justo prêmio à sua atuação, importante taticamente, puxando contra-ataques do campo de defesa e auxiliando na marcação adversária, como fez até o capitão Conca.
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Em tempo: o Flu saiu na frente na primeira vez do Engenhão contra todos os seus tradicionais adversários cariocas.
Contra o Botafogo, na inauguração do estádio (2007), foi Alex Dias quem abriu o placar. No Fla-Flu do returno deste Brasileiro, o zagueiro Leandro Euzébio marcou logo no início, como Tartá, agora contra o Vasco, que deixou o Flu em vantagem aos três.
Em tempo II: o Flu terminou invicto a série de clássicos estaduais neste Brasileiro, com triunfos sobre Flamengo e Vasco e dois empates com o Botafogo, a quem também venceu este ano no Campeonato Estadual.
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Seguro na meta tricolor, Ricardo Berna completou três jogos sem sofrer gol e chegou a cinco de invencibilidade. O novo camisa 1 ainda não perdeu e só foi vazado contra o Atlético-PR.
Ainda assim com um gol contra de Washington e outro em impedimento de Wagner Diniz.
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Conhecida pela beleza de seus espetáculos dentro dos estádios, como a que fez domingo no Engenhão, a torcida do Fluminense dá agora outro show fora deles. Este de generosidade, altruísmo e conscientização.
O Projeto Tricolor Solidário, idealizado por Hugo Ottati e Julia Caetano, visa a melhorias nas condições de vida do próximo, através de ações como arrecadação e doação de alimentos, roupas e brinquedos, doação de sangue e outras com vista ao meio ambiente.
Depois de arrecadar mais de 50 kg de alimentos antes do jogo entre Fluminense e São Paulo, doados ao Instituto Romão Duarte, e promover um mutirão para doação de sangue, o Projeto Tricolor Solidário promoverá no próximo dia 13 a Passeata Limpeza Tricolor, a partir das 10h da manhã, na Praia de Copacabana. O grupo partirá da estação de metrô General Osório, onde estará desde as 9h30.
A ação visa à conscientização da população da importância de se manterem limpas as areias da praia e todo o Rio de Janeiro. Antes da passeata, luvas descartáveis e sacos plásticos serão distribuídos para uma coleta segura e higiênica. Os organizadores pedem que os participantes vão vestidos com a camisa do Fluminense, a fim de destacar a autoria da iniciativa.
Fonte: GE / Jornalheiros
Fotos: Divulgação
“Um time pode jogar descalço, de pé no chão. Só não pode jogar sem alma. A simples execução de um plano tático exige um máximo de paixão” [Nelson Rodrigues]
Bruno Rezende
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